Dr Aidê Fernandes
Tentativa de suicídio: quando buscar a morte parece ser a única saída para a vida

Dados epidemiológicos deixam explicito o quanto o suicídio é um sério problema de saúde pública mundial, por exemplo: 804 mil pessoas se suicidam por ano no mundo, 11 mil somente aqui no Brasil, uma morte a cada 40 segundos. Nestes suicídios, a cada 10, acontecem entre 40 e 60 tentativas anteriores e podemos afirmar que todo suicida dá sinais anteriormente de suas intenções. Mesmo assim, tenho a impressão de que as pessoas imaginam esse fenômeno distante de si, até que alguém próximo tome essa atitude. Ultimamente, algumas pessoas têm comentado muito comigo sobre o tema assustadas com a frequência (em 2016 foram registrados 30 mil mulheres e 15 mil homens) e questionam o que pode ser feito para prevenir.
Inicialmente, é preciso dizer que, obviamente, não é um fenômeno restrito as grandes cidades ou metrópoles. Cidades pequenas, pacatas, turísticas, litorâneas ou de montanha, enfim em todo lugar, quer queiram ou não, torna-sem cada vez mais necessário que se faça algo do ponto de vista de saúde pública, para amenizar e prevenir o suicídio, pois, a incidência tem aumentado gradativamente. Nesse sentido, compreender como e porque as pessoas experimentam a ideia suicida pode facilitar o acolhimento desse sofrimento.Independente da maneira ou evolução do fenômeno (que trataremos a seguir) cabe inicialmente salientar que toda tentativa de suicídio é antes de qualquer coisa um pedido de socorro e precisa ser valorizado.
Várias são as causas ou motivos para uma atitude desse gênero (pode até mesmo não haver um transtorno mental em quem faz essa opção). Somente a pessoa sabe de sua dor e precisa lidar com ela conforme suas fragilidades e potencialidades. Diversas abordagens foram feitas por estudiosos do tema (sociólogos, antropólogos, psiquiatras, psicólogos, filósofos, etc.) no intuito de esclarecer e compreender a tentativa de suicídio, mas, particularmente, considero a “classificação” descrita a seguir como prática, objetiva e facilitadora de ações preventivas por parte dos profissionais de saúde, cuidadores e familiares que convivem com o indivíduo que esteja sofrendo desse mal. Do ponto de vista da execução e genericamente falando, podemos dizer que há três formas de uma pessoa tentar o suicídio: impulsivo, teatral e o orquestrado.
1 – Impulsivo: não há uma ponderação sobre o ato que é realizado quase como um “curto-circuito”, onde o sujeito toma uma atitude de forma abrupta ou aguda (geralmente costuma agir assim também em outros momentos ou situações de vida). Encontra-se fragilizado emocionalmente por alguma questão e num instante repentino age contra sua integridade sem avaliar os riscos;
2 –Teatral: há uma ponderação e dramatização excessiva, geralmente procura-se uma situação ou um contexto que o ato seja presenciado de alguma forma por outras pessoas. O indivíduo sofre por não sentir-se acolhido pelas pessoas a sua volta e busca atenção e acolhimento. Quase sempre a intenção não é verdadeiramente a morte e sim a mudança de contexto vivenciado;
3 – Orquestrado: há um planejamento cuidadoso do ato, o sujeito pondera muito por algum tempo e convive com a ideia de suicídio regularmente em seu pensamento, geralmente prefere situações mais violentas como arma de fogo.
Em todas elas, quase sempre há indícios anteriores de sofrimento ou angústia intensa. Independente do tipo percebido pode-se afirmar que quanto mais permitirmos que uma pessoa exponha suas ideias de morte, sem reprimi-la ou “impor” preconceitos e valores, mais chances teremos de precaver e avaliar os riscos de êxito. Inclusive, terapeuticamente falando, conversar abertamente sobre as intenções de suicídio traz alivio ao sujeito em sofrimento. Podemos assim orientá-lo quanto aos riscos de uma atitude impulsiva, sugerir outras maneiras de obter atenção desejada ou protege-lo de si mesmo e seu planejamento mórbido.
Quaisquer perdas relevantes, transtornos mentais, drogas, álcool, crises existências, discriminação social, enfim, independente da causa, o sofrimento pode fazer uma pessoa buscar a morte dando a impressão de ser a única saída. Cá entre nós, este (o sofrimento) é inevitável a todos, portanto torna-se necessário falar, acolher sua subjetividade e buscar seu direito de existir e ser com o outro. Também é preciso falar de si mesmo, expor suas singularidades e forma peculiar de estar no mundo.
A vida, ás vezes, pode não fazer sentido, é cada vez mais urgente falar do quanto ela não é acolhedora, pois, falando cria-se uma possibilidade de organização dentro de si, daquilo que fora teima em causar dor. Falar das ideias de morte pode prevenir tentativas de suicídio dando uma chance à vida.