Dr Aidê Fernandes
Fuja do amor-romântico

Quanto mais um relacionamento amoroso se baseia no amor-romântico, mais ele se torna sadomasoquista, portanto, quanto mais apaixonado está um amante mais ele sofre e faz o outro sofrer.Já abordei um pouco essa ideia em outro artigo onde pontuava o quanto os parceiros amorosos fomentam o sentimento de raiva na relação por conta de não aceitar o outro ser o outro. Portanto, quanto a isso, sugiro a leitura do mesmo (“Ficar, namorar e casar para ter raiva do outro”), que, a meu ver, poderia esclarecer melhor esse fenômeno, além de deixar mais claro os caminhos tortuosos que a nossa sociedade vem dando aos casais. Mas, cá com meus botões refletindo: de onde vem essa ligação do amor-romântico com o sofrimento?
Saliente-se que o chamado “amor-romântico” é uma invenção cultural, sediada principalmente na sociedade ocidental com suas singularidades. Nascido no sec. XVII, cujo personagem Don Juan tornou-se um dos seus ícones representativos. No caso, passou-se a amar o ato de amar, ou seja, não se amava o outro e sim, o amor. O objeto de amor não era o mais importante, mas sim o sofrer e até morrer por amor. As histórias de “Tristão e Isolda”, “Romeu e Julieta” descrevem poeticamente o cotidiano dessa relação onde às impossibilidades são inúmeras e nem por isso diminuíam o desejo de vivenciá-las. E assim ele (o amor-romântico) surgiu cheio de sonhos, fantasias, porém rígido e com obstáculos a serem superados. Por outro lado, também é preciso salientar que até então as pessoas não se casavam por amor. Isso é uma coisa recente já que casamento era uma coisa muito "séria" para se misturar com amor. De fato, as pessoas moravam no campo, junto a várias gerações da mesma família e assim se sentiam amparadas. Casar era uma questão econômica e política, não havia romance, nem expectativa de satisfação sexual e daí a relação durava a vida inteira. Não se observavam decepções ou motivos para separações. Com a Revolução Industrial nasceu à família nuclear (pai, mãe e filhos), pois as fábricas e escritórios atraiam os homens para o trabalho nos centros urbanos. Não sendo possível ficar sozinhos na cidade e para suportar esse processo, surgiram os casamentos por amor (alianças onde poderiam satisfazer, agora, suas necessidades afetivas). O auge dessa história veio tempos depois, no ideal do amor romântico no sec. XIX e inicio do sec. XX, onde o sexo era inseparável do amor e do laço conjugal. Assim a cultura nos deu a ilusão da satisfação afetiva plena, protegendo- nos contra a solidão, com a possibilidade de constituir patrimônio e criação de uma prole. Mas, para isso, era necessário ir a um altar e jurar fidelidade “até que a morte separasse os parceiros de amor“.
O grande problema ai estabelecido é que ela (a cultura) não considerou nossos instintos, que, como sempre não somente pedem passagem, atropelam. Por exemplo, nossa “natureza” é poligâmica, ou seja, instintivamente não fomos preparados para um só parceiro amoroso ao longo da vida. Aliás, a “cultura” monogâmica faz parte de apenas 16% das civilizações humanas, ou seja, somos minoria e, portanto, menos adaptado a nossa realidade interna. Portanto, por mais que se valorize um juramento e/ou palavra dada, é preciso sempre admitir que se esteja indo contra uma força instintiva enorme que, obviamente, ao ser contida traz conseqüências no comportamento adotado cotidianamente. Nesse caso, é pertinente que a tal satisfação afetiva plena propalada pela tal “aliança” conjugal criada não é verdadeira e muito menos natural. Sendo assim, ou se faz a opção de vários parceiros de forma seriada (daí os divórcios) ou se constrói o casamento único, também, baseado em outras necessidades, desejos e opções (não afetivas). Saliente-se que, considerando não ser uma opção natural, ambos os parceiros precisam estar cientes e de acordo com a renúncia feita. Dai não ser ético a hipocrisia ou a mentira nas combinações propostas. A não ser que você prefira “fazer de conta que ama o outro acima de todas as coisas e o outro fazer de conta que acredita”. Cá entre nós, isso é o próprio amor-romântico.
Concluindo, cabe aos casais redescobrirem, no cotidiano, as verdadeiras razões de sua cumplicidade e/ou necessidade de estarem juntos, compreendendo os fatores culturalmente estabelecidos para que possam se reinventar “a dois” a cada dia, apesar das determinações instintivas. Essa é uma caminhada heroica, portanto não é romântica, com chances de se tornar amorosa.