Dr Aidê Fernandes
A importância das abordagens psicológicas nos transtornos mentais.

Quando abordei as causas dos transtornos mentais em outro artigo (“O que causa os transtornos mentais nas pessoas”), pontuei que, entre os três conjuntos de fatores causais, haveriam dois, pessoais e circunstanciais, que dependiam da ação e reação do sujeito, fosse ao longo de sua vida ou no momento crítico atual do seu portador. Ainda salientei que, conforme a predominância ou relevância destes na etiologia do problema, haveriam consequências na proposta terapêutica a ser feito pelos profissionais assistentes. Sendo assim, ao acompanharmos um sujeito cujas ações ou reações contribuem para o seu transtorno, podemos dizer que é fundamental uma proposta terapêutica que atue sobre estas atitudes.
Quando estas têm uma relevância clínica importante na evolução do quadro, torna-se necessário a utilização do que chamamos de abordagens psicológicas. Também em outro artigo (“o uso de remédios para os transtornos mentais”) procurei deixar claro que somente a prescrição de medicações não é o suficiente para uma boa evolução clínica; é preciso respeitar as singularidades dos doentes, fazer orientações e aconselhamentos pertinentes e adequados para potencializar sua melhora. Nesse caso, obviamente, já estaríamos atuando sobre as tais atitudes inadequadas e assim concebemos a boa prática psiquiátrica. Entretanto, em algumas ocasiões são necessárias ações e propostas clínicas mais elaboradas, sistematizadas e aprofundadas onde torna-se necessário uma formação específica “não médica” propriamente dita, a saber, psicoterápica e/ou a psicológica. Sendo assim, em alguns quadros clínicos singulares é necessária a atuação psiquiátrica (com a prescrição de remédios e orientações gerais) associada às abordagens psicológicas. São estas abordagens que trataremos a seguir.
Inicialmente é preciso deixar claro que tal atuação exige uma especialização profissional que vai além da graduação em medicina e/ou psicologia. Especialização essa que abrange estudos teóricos aprofundados a médio e longo prazo, acompanhamento psicoterápico ao próprio profissional atuante e, principalmente no inicio da carreira, uma supervisão (com outro profissional mais experimentado) dos casos atendidos por este iniciante. Á titulo de exemplo, após minha graduação em medicina e posterior especialização em psiquiatria, ainda necessitei de outros 04 anos de estudos teóricos e ser acompanhado em psicoterapia (ou ser “terapeutizado”) por algum tempo. Somente assim pude me considerar, também, um psicoterapeuta (atividade que exerci até alguns anos atrás). Portanto a prática psicológica clínica e/ou psicoterápica tem sua formação específica e vai muito além do aconselhamento, apoio e/ou orientação quanto à conduta.
Pensando nessa atuação profissional, quanto aos portadores de transtornos mentais, saliente-se que, às vezes, eles também têm um comprometimento acentuado de sua estrutura emocional, incapacidade de elaboração, percepção alterada de si mesmo e/ou do outro, além de um funcionamento mental que lhe determina comportamentos inadequados, deterministas e facilitadores de sua patologia. Nesse caso, além do tratamento médico para a sua doença, necessita de orientações aprofundadas sobre seu processo de adoecer, além do autoconhecimento de si mesmo, suas limitações e potencialidades.
Quase sempre sofrem muito nas relações interpessoais e dai, em certo sentido, produzem situações e fatos que potencializam seu quadro clínico. Ou seja, estes possuem aspectos/ações/reações em seu cotidiano que nenhuma medicação poderá modificar, somente o próprio através da ajuda ofertada. Cabe frisar que não são conselhos, orientações pontuais e/ou avaliações e julgamentos do comportamento apresentado pelo doente à estratégia a ser usada pelo profissional assistente. Ele, através de variadas técnicas fundamentadas cientificamente e previamente construídas, trabalhará pra que o sujeito doente se reconheça e retome sua capacidade de reinvenção saudável de si mesmo diante de uma realidade que lhe imprime sofrimento.
De uma maneira geral, estas abordagens psicológicas podem ser propostas para o fortalecimento do sujeito em sua maneira de ser ao longo da vida, ou seja, facilitando seu desenvolvimento psíquico de forma saudável. Ou podem ser oferecidas para a resolução de situações críticas, pontuais ou circunscritas que estejam impedindo o sujeito de atuações específicas pertinentes, ou seja, seu comportamento atual saudável. Portanto elas podem ser compreendidas como ""de desenvolvimento” ou “focais”. Por outro lado, os atendimentos podem ser feitos de forma individual ou grupal, e nesse caso, a escolha deve ser feita conforme a singularidade do quadro e melhor capacidade do sujeito doente (ou grupo específico) de elaborar seu sofrimento mental. O fato é que cabe a essas abordagens fortalecerem o doente pra que possa caminhar na vida, apesar de sua doença, como pessoa e sujeito autônomo.
Por outro lado, também é importante dizer que algumas pessoas procuram a ajuda psicoterápica por conta de conflitos emocionais internos, alguma dificuldade de aceitação de si mesmo e/ou de suas circunstâncias externas/sociais ou mesmo por comprometimento da capacidade de se adaptar ao mundo. Saliente-se que nesses casos, não preenchem nenhum dos critérios clínicos que indiquem algum transtorno mental e, em muitos casos, trazem um sofrimento compreensível e que poderia ser pertinente (e estar presente) em qualquer outra pessoa. A estas pessoas o que se propõem é a companhia (através do procedimento) em uma viagem ao encontro de si, ou seja, terapeuta e “terapeutizando” buscam um encontro, íntimo e verdadeiro, onde ambos tentam compreender a história do “terapeutizando”, seus mecanismos de defesa e/ou de adaptação ao ambiente, suas dúvidas e necessidades. Cabe ao terapeuta ofertar suas ferramentas, estudos, percepção e solidariedade ao outro no sentido de tornar a viagem a mais eficiente possível.
É como se ambos estivem numa cidade escura, explorando suas vielas, becos e atalhos tentando reconhecer cada pedaço desse território. Caminham lado a lado, porém um deles (terapeutizando) tem a bussola e escolhe por onde ir (mesmo que tropeçando ou mesmo caindo no chão por alguns instantes), o outro (terapeuta) tem uma lanterna na mão, algumas ideias na cabeça e postura incentivadora (somente), ás vezes com alertas, porém nunca proibitiva. Assim desbravam a cidade interna (com mais ou menos profundidade, dependendo da coragem do terapeutizando e das ferramentas do terapeuta). Segundo o mestre- psiquiatra Marcos Nogueira (com quem mais aprendi sobre o tema), “psicoterapia é um processo psicopedagógico sobre/para a vida, amor e liberdade de um sujeito”. Sendo assim, jamais cabe e/ou caberá os termos “cura” ou “reabilitação” como objetivos ao procedimento, no máximo amadurecimento, pois terapia não muda ninguém, apenas acelera, estagna ou facilita processos que poderiam acontecer com, sem ou apesar dela (a terapia). Daí, portanto, a necessidade de que toda pessoa que tenha a pretensão de exercer essa atividade como profissional, seja antes, também um terapeutizando. Sendo assim, quanto aos que insistem, por exemplo, com a aberração de propor a psicoterapia para mudança de orientação sexual, só posso afirmar que, com certeza, é porque não foi suficientemente terapeutizado ou sua cidade interna ainda é bastante escura e sombria.
Concluindo o profissional psicólogo clínico e/ou o psicoterapeuta é um integrante indispensável da equipe multiprofissional na construção de algumas propostas terapêuticas que potencializam o cuidado integral a alguns portadores de transtornos mentais e/ou pessoas curiosas sobre si mesmas. Independente da linha teórica escolhida pelo assistente é importante salientar que seu trabalho é conduzir o doente (ou a pessoa curiosa e corajosa) a encontrar estratégias de administração de seus problemas. Cabe, portanto ao profissional se ocupar, principalmente, em fazer boas perguntas pra que o sujeito encontre suas respostas internas, para o processo de adoecer (ou na condução do cotidiano) que teima em se reproduzir, esconder ou disfarçar situações, comprometendo sua qualidade de vida ou seu amadurecimento adequado.